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A Gig Economy no Legislativo do Município de São Paulo

Este é o oitavo artigo em parceria com o CEPI FGV Direito-SP, que utilizou a Sigalei para mapear os projetos de lei na Câmara Municipal de São Paulo que tratam sobre o Futuro do Trabalho, Gig Economy e Plataformas Digitais.

Publicado em:
26/10/2021
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o âmbito do projeto Futuro do Trabalho e Gig Economy, o CEPI realizou um mapeamento de projetos de lei (PLs) envolvendo o trabalho em plataformas digitais que tramitam no âmbito federal, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Buscando ampliar o objeto de análise e compreender como o Legislativo de outros entes da federação está lidando com o tema, resolvemos realizar um estudo sobre projetos de lei municipais. Nesse sentido, para entender melhor quais questões estão sendo tratadas a nível local, o CEPI realizou um novo mapeamento, desta vez, com foco exclusivo nas proposições da Câmara Municipal de São Paulo, utilizando a ferramenta de pesquisa e acompanhamento legislativo Sigalei

Mapeamento dos Projetos de Lei Municipais

No âmbito do projeto Futuro do Trabalho e Gig Economy, o CEPI realizou um mapeamento de projetos de lei (PLs) envolvendo o trabalho em plataformas digitais que tramitam no âmbito federal, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Os resultados desse estudo estão registrados em uma série de publicações do projeto, tais como o BT1 — Projetos de Lei de 2020 sobre Gig Economy[1], o BT2 — Trabalho sob Demanda no Congresso[2], o BT3 — Diálogos LATAM[3] e o BT7 — Seguridade Social e Trabalho em Plataformas Digitais[4].

Buscando ampliar o objeto de análise e compreender como o Legislativo de outros entes da federação está lidando com o tema, resolvemos realizar um estudo sobre projetos de lei municipais. Ainda que a legislação sobre a matéria trabalhista seja de competência exclusiva da União, muitas questões residuais referentes à atividade econômica são reguladas localmente (e.g., concessão de licenças, tributação, regras de tráfego, cadastramento etc.). Nesse sentido, para entender melhor quais questões estão sendo tratadas a nível local, o CEPI realizou um novo mapeamento, desta vez, com foco exclusivo nas proposições da Câmara Municipal de São Paulo, utilizando a ferramenta de pesquisa e acompanhamento legislativo da Sigalei.

As palavras-chave utilizadas para a busca dos PLs municipais dentro da plataforma foram as mesmas já utilizadas pelo CEPI para o mapeamento dos PLs federais, acrescidas de novos termos encontrados a partir de um levantamento de notícias da Câmara Municipal de São Paulo. Ao final, foram utilizadas 31 palavras-chave para a pesquisa.[5]

Note-se que adotamos as palavras-chaves “ciclista/ciclistas” e “motorista/motoristas”, pois há muitos PLs relacionados a essas categorias que trazem previsões que repercutem nas condições de trabalho e/ou nas regras de circulação e atividade dos trabalhadores de plataformas digitais.

As varreduras foram feitas em dois momentos: a primeira, realizada em 2 de agosto de 2021, retornou 142 resultados, excluindo-se os repetidos; e a segunda, realizada em 28 de setembro de 2021, retornou dois 2 novos resultados mais recentes. Desse modo, o número total de PLs mapeados, até 28 de setembro de 2021, foi de 144. Em ambas as varreduras, utilizou-se o filtro da plataforma Sigalei para exibir somente resultados específicos da Câmara Municipal de São Paulo.

Dentre os 144 PLs foram excluídos os que se encontravam fora do intervalo de 2010 a setembro de 2021. Esse marco temporal foi adotado em conformidade com a análise dos PLs federais realizada pelo CEPI [6], pois esse período compreende o início das operações das primeiras plataformas pertencentes à gig economy no país. Também foram excluídos os PLs que já haviam sido aprovados e convertidos em lei. Restaram 79 PLs na base de análise.

Foi realizada uma triagem dos PLs por dois pesquisadores, para excluir as proposições que não versavam sobre condições de trabalho e regulação da atividade nas plataformas digitais. Note-se que foram excluídos PLs de caráter meramente promocional (e.g., instituição de campanhas para promover o ciclismo na cidade de São Paulo), pois, embora indiquem tendências na cultura de mobilidade, não necessariamente trazem repercussões diretas à regulação da gig economy. Ao final da triagem, restaram 38 PLs na base de análise (o PL 158/2021, que obriga as empresas a informarem os motoristas de aplicativos sobre as razões de sua exclusão ou suspensão da plataforma, foi aprovado no curso das análises dessa pesquisa e, por isso, foi posteriormente removido do banco de dados).

Esses 38 PLs foram codificados, utilizando-se como base o livro de códigos[7] criado para o estudo dos PLs federais. No entanto, foram adicionados novos códigos, considerando-se a natureza das proposições de competência local (normas de trânsito, cadastramento administrativo, parcerias público-privadas etc.). Além disso, enquanto a análise dos PLs federais teve como unidade os artigos de cada projeto, a dos PLs municipais partiu da íntegra do texto normativo de cada proposição. Essa escolha se deu em virtude da necessidade de adequação às ferramentas da plataforma Sigalei, que não permite marcações diretas em trechos específicos das proposições.

Análise dos Projetos de Lei

Tal como se verificou na análise dos PLs federais, mesmo com marco temporal partindo de 2010, a proposição mais antiga do levantamento foi apresentada em 2015. Isto porque a matéria ganha relevância a partir de 2014, ano em que a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. (Uber) iniciou suas operações no Brasil (CEPI FGV Direito SP, 2021, p. 2).

Ainda, analisando-se a cronologia de apresentação dos projetos na Câmara da cidade de São Paulo, percebe-se um aumento das proposições nos anos 2019 e 2020, com pico neste último:

Figura 1: Volume de PLs apresentados no período de 2015 a setembro de 2021
Fonte: Sigalei (2021)

Mesmo ocorrendo um significativo aumento no número de proposições em 2020, apenas 5 PLs — considerando também os de 2021 — mencionam expressamente a pandemia de Covid-19 no texto normativo. Dentre esses PLs, 2 impõem medidas de saúde e segurança no trabalho (a saber, fornecimento de Equipamento de proteção individual — EPIs); 1 prevê a possibilidade de contratação de transporte individual privado pelo Poder Público para transporte de pessoas idosas durante a vigência da pandemia; e 2 desoneram motoristas de aplicativos de restrições à circulação (e.g., liberação do rodízio municipal e suspensão de prazo para troca de equipamentos).

Além da Covid-19, outro fator que pode ter contribuído para o aumento do número de proposições registrado no período de 2019 a 2020 foi a modificação do inc. X, do art. 4º, da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n. 12.587/2012, alterada pela Lei Federal n. 13.640/2018), que resolveu o embate regulatório entre as atividades já reguladas (i.e., táxis e fretados) e a atividade dos novos entrantes (i.e., plataformas) no segmento de transporte de passageiros. Essa acomodação no âmbito federal delegou aos municípios o dever de regulamentar as atividades localmente (KLAFKE e SILVEIRA, 2021).

Dentre os 38 PLs, 23 têm como escopo de aplicação o transporte individual de passageiros, 5 se aplicam aos serviços de entrega, 4 tratam de questões relacionadas ao serviço de motofrete, 3 trazem regras de uso e circulação de bicicletas e 1 não especifica um setor ou modal, sendo, portanto, aplicável a plataformas da gig economy em geral[8].

A maioria dos projetos dispõe ainda sobre regras administrativas, relacionadas: (i) ao cadastramento das plataformas de transporte[9] e dos profissionais que nelas atuam; (ii) à identificação dos profissionais; e (iii) ao tráfego e à circulação (por exemplo, dispensa de aplicação do rodízio municipal aos veículos que realizam transporte individual privado de passageiros, exigência de uso de EPIs, adaptação veicular etc.).

Outro tema em evidência é a segurança contra o assédio e a violência urbana. Há 7 PLs lidando com a questão, com propostas que exigem a disponibilização de informações sobre a identidade dos usuários, a adoção de mecanismos de segurança (por exemplo, coleta de biometria, reconhecimento facial, “botões de pânico”, realização de campanhas etc.) e o compartilhamento de dados e informações, por parte das plataformas, que possam servir de meios de prova. As propostas revelam maior preocupação com a segurança dos consumidores e, em menor medida, dos prestadores de serviços, algo também evidenciado entre os PLs federais (KLAFKE e SILVEIRA, 2021).

Embora a grande maioria dos projetos trate os prestadores de serviços como “meros” usuários das plataformas, muito provavelmente em virtude da falta de regulação federal sobre a relação de trabalho entre eles, há PLs que preveem a contratação de seguro contra acidentes e prejuízos materiais, bem como benefícios contra morte, incapacidade temporária e invalidez. Ademais, 18 PLs estabelecem condições mínimas de trabalho (a maioria relacionada à saúde e segurança e a condições materiais) e 3 PLs aplicam pontualmente a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Outra previsão em benefício dos trabalhadores é a criação de entrepostos, mantidos pelas empresas e/ou por meio de parcerias público-privadas, que serviriam como pontos de descanso, alimentação, acesso a equipamentos sanitários, reposição de equipamentos, recarga de celular e acesso à Internet.

Por fim, alguns PLs disciplinam o compartilhamento de dados e informações com as autoridades públicas, para fins de regulação e também de fiscalização e produção de provas, em linha com o que já dispõem os arts. 4 e 35 do Decreto Municipal nº 56.981/2016, que preveem, inclusive, o compartilhamento da identificação do condutor e do veículo utilizado.

Considerações Finais

A produção legislativa municipal sobre as atividades da gig economy, como já era de se esperar, é bastante residual, tendo sido relativamente acomodada com a edição do Decreto Municipal nº 56.98/2016. Esse decreto, inclusive, antecedeu outro importante marco, a nível nacional — a alteração na Política Nacional de Mobilidade Urbana, ocorrida em 2018, que encerrou os embates regulatórios entre a economia já regulada (táxis e fretados) e as plataformas entrantes (KLAFKE e SILVEIRA, 2021).

Além de residuais, os PLs municipais são bastante dispersos, sendo difícil estabelecer com clareza tendências no tratamento local da matéria. No entanto, apesar da escassez de projetos que tratam explicitamente do enfrentamento da pandemia de Covid-19 (apenas 5 dos 20 PLs apresentados entre 2020 e setembro de 2021), houve um aumento, ao longo desse último ano, de propostas prevendo condições mínimas de trabalho, muitas atreladas à saúde e segurança. No Congresso Nacional, ocorreu fato semelhante: a pandemia influenciou fortemente o caráter dos projetos de lei, que passaram a dispor mais sobre benefícios e condições de trabalho. A julgar pela evolução da matéria no Congresso, é possível que as propostas do Legislativo municipal se voltem mais à proteção dos prestadores de serviço.

Referências bibliográficas

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA EM INOVAÇÃO DA FGV DIREITO SP. Briefing temático #2: Trabalho sob demanda no Congresso (2010–2020) — Um oceano de possibilidades — versão 1.0. São Paulo: FGV Direito SP, 29 jan. 2021. Disponível em: https://hdl.handle.net/10438/30268. Acesso em out. 2021.

KLAFKE, Guilherme Forma; SILVEIRA, Ana Carolina R. Dias. As três ondas de projetos de lei sobre trabalho em plataformas digitais. Medium: CEPI FGV Direito SP, publicação de 24 de fev. de 2021. Disponível em: https://medium.com/futuro-do-trabalho-e-gig-economy/as-tr%C3%AAs-ondas-de-projetos-de-lei-sobre-trabalho-em-plataformas-digitais-e376571db652. Acesso em: out. 2021.

[1] BT1 — Projetos de Lei de 2020 sobre Gig Economy https://hdl.handle.net/10438/29938

[2] BT2 — Trabalho sob Demanda no Congresso https://hdl.handle.net/10438/30268

[3] BT3 — Diálogos LATAM https://hdl.handle.net/10438/30269

[4] BT7 — Seguridade Social e Trabalho em Plataformas Digitais https://hdl.handle.net/10438/30909

[5] Foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: aplicativo, aplicativos, aplicativo de entrega, ciclistas, ciclista, crowdwork, economia de bico, entregador, entregadores, empresas de entrega por bicicletas, gig economy, motofretistas, motofretista, moto frete, motorista, motoristas, uber, ifood, rappi plataforma digital, plataformas digitais, prestadores de serviços autônomos, serviço de motofrete, trabalho sob demanda, trabalho de plataforma, trabalho freelancer, trabalho intermitente, trabalhadores de aplicativo, trabalhadores de entregas, transporte de bens e serviços por bicicleta, transporte individual privado de passageiros.

[6] Análise dos PLs federais Gig Economy  https://hdl.handle.net/10438/30268

[7] Livro de códigos https://hdl.handle.net/10438/30268

[8] Trata-se do PL 279/2021, que obriga as plataformas a disponibilizarem um canal telefônico de suporte e atendimento.

[9] O Decreto Municipal nº 56.98/2016 estabelece que a exploração de atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros somente será permitida às Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas — OTTCs.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou as instituições parceiras.

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Como citar este texto:

SILVEIRA, Ana Carolina Rodrigues Dias; BÍCEGO, Bruno Ett. A Gig Economy no Legislativo do Município de São Paulo. Medium: CEPI FGV Direito SP, outubro de 2021. Disponível em: https://medium.com/@fgvcepi/a-gig-economy-no-legislativo-do-munic%C3%ADpio-de-s%C3%A3o-paulo-94b7a5d94d96

Tags
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