*As informações contidas neste artigo não representam posicionamentos políticos ou opiniões da Sigalei. Este texto tem finalidade acadêmica e visa revelar novos talentos entre os estudantes de Relações Internacionais da ESPM.
O PL 149/2003 propõe alterações no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), com o objetivo de tipificar o crime de terrorismo. O projeto define o terrorismo como a prática de atos com o uso de violência ou grave ameaça, motivados por razões de xenofobia, religião, discriminação ou preconceito de raça ou cor, com o objetivo de provocar terror social ou generalizado.
O projeto surge no contexto dos ataques de 11 de setembro em Nova York, quando países buscaram reforçar seus mecanismos legais contra o terrorismo. Porém com a recente polarização e atuação de movimentos de reforma agrária, o projeto se tornou centro de um debate sobre invasões de terra e manifestações políticas como uma maneira de terrorismo interno.
O autor do projeto de lei é o Deputado Alberto Fraga (PMDB/DF). O parlamentar é militar da reserva e conhecido por sua atuação voltada à segurança pública e endurecimento penal. Sua filiação, na época, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atualmente MDB, evidencia uma tendência ideológica à direita no espectro político.
Atualmente o projeto se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, com diversas proposições apensadas ao longo dos anos, impulsionada pela demanda por uma legislação antiterrorismo. Até hoje, não foi aprovado definitivamente, permanecendo em análise nas comissões temáticas da câmara.
Segundo o site Sigalei a temperatura da proposição é 0 e a média da tramitação em dias é de 8127 dias, isso se dá pelos diversos apensados e desapensados que o projeto inicial sofreu, alterando os dados. Isso fica mais evidente ao visualizar o histórico da velocidade da tramitação e a própria tramitação.
Após ser apresentado, em 24 de fevereiro de 2003, o projeto foi enviado somente à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O relator designado foi o deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), que, em 23 de outubro do mesmo ano, aconselhou em seu parecer pela rejeição do PL.
Em 2007 a Mesa Diretora arquivou o projeto, porém o deputado Alberto Fraga requereu o desarquivamento, sendo aceito e reenviado à CCJC em 5 de março. O novo relator designado, o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), fez o requerimento da revisão das comissões em 5 de setembro de 2008, sendo feito o novo despacho em novembro.
A nova sequência de comissões foi Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). A CSPCCO recebeu o projeto em 26 de novembro de 2008, e foi designado o relator no mês seguinte, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ).
Após 13 anos parado, sendo apensados e desapensados a outros PLs, o relator designado da CSPCCO, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), apresentou em 18 de agosto de 2021 seu parecer pela aprovação do projeto. No dia 26 do mesmo mês o PL foi enviado à CCJC, e em outubro foi designado como relator o deputado Guilherme Derrite (PP-SP).
Seguindo o mesmo pensamento, o relator apresentou seu parecer pela aprovação. Entretanto, em 2023 foi apresentado e aceito um requerimento de apensação de um PL, com isso o novo relator designado, deputado Arthur Oliveira Maia (UNIÃO-BA), em maio de 2024 apresentou seu parecer pela aprovação do projeto. Porém, novamente motivado pela apensação de uma PL ao projeto, o texto foi devolvido ao relator em primeiro de abril de 2025.
Os grupos de interesses, ou stakeholders, envolvidos na tramitação do projeto de lei são diversos e representam interesses políticos, econômicos e sociais contrastantes.
De um lado temos os grupos ligados à segurança pública, como associações de policiais, militares e setores conservadores do legislativo, que historicamente defendem o endurecimento penal e acreditam que a tipificação do terrorismo seja um instrumento necessário para garantir a ordem interna e a segurança nacional. Esse posicionamento se alinha com os pensamentos e à trajetória política do autor, deputado Alberto Fraga, e do relator Guilherme Derrite, ambos com ligações com o setor de segurança pública.
Por outro lado, movimentos sociais, organizações de direitos humanos e entidades do campo jurídico se posicionam de forma crítica ao projeto, alertando para o risco de criminalização indevida de manifestações sociais, visto o contexto brasileiro de conflitos agrários e protestos populares.
A inclusão, no debate, das invasões de terra como possíveis atos de terrorismo reforça a preocupação desses grupos, que veem o projeto como uma ameça ao direito de protesto e à atuação de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Assim, a tramitação do PL expõe um embate político-ideológico entre a perspectiva securitária e a defesa das liberdades civis, sendo fortemente influenciada pela polarização política e pelo contexto social brasileiro ao longo das últimas décadas, sendo exemplificado pelas significativas alterações no projeto, em relação ao texto original e os pareceres mais recentes, elaborados pelos relatores de comissão.
O texto inicial, de 2003, definia o terrorismo como a prática de atos motivados por faccionismo político, religioso, filosófico ou étnico, com o objetivo de prejudicar a integridade nacional, intimidar a população ou subverter instituições do Estado. A justificativa do autor, deputado Alberto Fraga, era centrada na necessidade de alinhar a legislação brasileira aos países mais desenvolvidos, suprindo lacunas na legislação penal.
Com o parecer do deputado Guilherme Derrite, apresentado em 2021, o projeto foi ampliado. O relator propôs um conceito mais abrangente de terrorismo, incluindo práticas como ataques a instituições financeiras, ações contra sistemas informáticos e bancos de dados públicos, bem como atentados contra meios de transporte e instituições prisionais.
Além disso, Derrite destacou a necessidade de reconhecer motivações econômicas e sociais, citando o “novo cangaço” e atentado em ambientes públicos que, embora não motivados por razões raciais ou religiosas, produzem terror generalizado. O deputado fundamentou essas alterações na necessidade de adequar a legislação brasileira às normas internacionais, além de responder a novas modalidades criminosas.
O parecer do Deputado Arthur Maia, de 2024, consolidou e aprofundou as alterações propostas por Derrite. Maia endossou a ampliação do conceito de terrorismo, ressaltando a importância de incluir motivações políticas, sobretudo após os ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
Dessa forma o relator defendeu a necessidade de ajustar a legislação nacional aos parâmetros internacionais, onde a motivação política é amplamente reconhecida como elemento constitutivo do terrorismo. Além disso, ele enfatizou a importância de proteger as instituições democráticas, propondo que invasões e depredações contra sedes dos Poderes sejam consideradas atos terroristas, desde que apresentem os elementos típicos do crime.
Ambos os pareceres mais recentes também analisaram criticamente os diversos projetos de lei apensados, recomendando a incorporação das proposições mais adequadas, com vistas a uma legislação coesa e efetiva.
Assim, é possível observar que o projeto evoluiu de uma proposta focada na repressão ao terrorismo clássico, para um texto mais complexo e atual, preocupado em englobar novas formas de ameaça à segurança pública, proteger bens jurídico sensíveis, como infraestruturas críticas e instituições democráticas, e harmonizar a legislação brasileira com padrões internacionais e os desafios impostos por eventos recentes.
O cenário atual da tramitação do projeto se mostra de não avanço, isso se dá em grande parte pela resistência simultânea de grupos situados em polos opostos do espectro político, o que gera um impasse legislativo.
De um lado, setores ligados à ideologia de direita, que historicamente defenderam o endurecimento penal e foram entusiastas do projeto em seu texto original, se manifestaram contrários ao parecer do Deputado Arthur Oliveira Maia, especialmente pela inclusão dos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília como potenciais enquadramentos no conceito de terrorismo. Esses grupos entendem que tal previsão poderia resultar na criminalização de manifestações políticas da direita, reforçando a narrativa de perseguição ideológica.
Por outro lado, setores ligados à ideologia de esquerda, incluindo movimentos sociais, ONGs e defensores dos direitos humanos, se opõem tanto ao parecer do Deputado Guilherme Derrite quanto ao texto original de Alberto Fraga, por considerarem que a ampliação do conceito de terrorismo, especialmente ao incluir ações de protesto, ocupações e bloqueios como potenciais atos terroristas, representa grave ameça aos direitos civis e políticos, podendo resultar na criminalização de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Assim, a falta de consenso entre os principais stakeholders, que, por motivos distintos, rejeitam partes centrais do texto, cria um ambiente legislativo adverso ao avanço do projeto, mantendo ele paralisado em meio à polarização política e jurídica que marca o debate público sobre segurança e direitos humanos no Brasil.
Outro ponto importante é a ausência de audiências públicas diretas sobre o PL 149/2003 em si, mas sim de temas correlatos, como projetos sobre segurança nacional e protestos, que formam os debates que tangenciam essa proposição. Nelas entidades de segurança, bem como setores ligados à ideologia de direita, inicialmente defenderam a sua aprovação, o que não ocorre mais. Já entidades de direitos civis e setores ligados à ideologia de esquerda alertaram para a flexibilidade do conceito e possíveis abusos.
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