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Entrevista Cynthia Cury, analista de gestão e políticas públicas da Embrapa

Publicado em:
3/12/2018

Cynthia Cury já esteve nos dois lados do balcão. Por 20 anos, ela foi assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e também na Câmara Federal. Toda essa experiência com projetos, tramitações e articulações se tornou um ativo crucial para a nova função que passou a desempenhar a partir de 2007, quando ingressou como funcionária concursada na Embrapa.

Neste mesmo ano, a partir do convite do então presidente Silvio Crestana, Cynthia recebeu um desafio: contribuir para a estruturação de uma área voltada para o relacionamento com o parlamento, ministérios e entidades. Era o embrião da gerência de Relações Institucionais e Governamentais, formalizada este ano, e cujo reconhecimento veio com a conquista do prêmio Marco Maciel, na categoria organização pública, promovido pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).

Cynthia, formada em direito com mestrado em Gestão e Políticas Públicas pela FGV – SP, conversou com a equipe do blog Tudo é Política, na unidade da Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP), onde hoje atua como analista, e falou sobre a área de RIG nas empresas e instituições públicas. Também abordou os desafios para o próximo ano, como o novo parlamento, com alto índice de renovação, e a sinalização do programa de privatização do novo governo.

Boa leitura!

1 – Quais são alguns resultados de destaque obtidos a partir do trabalho de Relações Institucionais e Governamentais desenvolvido pela Embrapa?

A Embrapa, desde que ela foi criada, em 1973, sempre vinculou fortemente a ciência com as políticas públicas. Isso não é novo, mas se estruturou mais recentemente. Um exemplo bastante conhecido é a Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, que foi proposta em 2006, com a sanção da lei em 2013.

Foram sete anos de relacionamento muito forte. As coisas não acontecem de forma simples nem rápida. Em 2006, a Embrapa começou a ter bons resultados mostrando o quanto essa prática poderia contribuir para uma agricultura sustentável. Mas isso não era uma política pública valorizada nem reconhecida. A gente entendeu que ela poderia ser.

Levamos essa proposta, colocamos esse tema na agenda de prioridade de governo, construímos o texto e levamos para o legislativo. A proposta foi trabalhada com diversos grupos de interesse, entidades e tramitou, durante sete anos, até que a lei fosse aprovada. Hoje, ela permite que o produtor rural tenha acesso a crédito, quando ele demonstra que adota essas práticas.

2 – A fossa séptica biodigestora, desenvolvida aqui na Embrapa Instrumentação, é outro bom exemplo?

A fossa séptica biodigestora foi desenvolvida para atender a demanda do produtor rural na sua área de saneamento rural. Foi um trabalho apresentado em diversos fóruns e ambientes, inclusive na Câmara dos Deputados, na comissão de desenvolvimento urbano.

Quando ela foi apresentada, uma equipe do Ministério das Cidades quis conhecer a fossa séptica. Hoje, ela é uma política institucionalizada no Ministério das Cidades. Isso permite que os proprietários rurais que adotam a fossa séptica recebam recursos do governo federal para esta finalidade. É um exemplo de política pública do próprio executivo que não dependeu de uma lei para ser aprovada.

3 – Você acredita que a experiência da Embrapa possa ser replicada para outras instituições públicas? Existe espaço para o profissional de RIG no setor público?

Tem um espaço imenso. No mundo dinâmico, complexo, onde as mudanças acontecem de forma muito rápida, as instituições precisam atuar de forma integrada, em cooperação. Só assim vamos conseguir vencer os desafios. Para isso, é preciso ter mecanismos institucionais que viabilizem esse relacionamento.

Quanto maiores os desafios e maiores as mudanças, maior a necessidade de termos profissionais capazes de olhar essas oportunidades, de conectar as instituições. Nas áreas de pesquisa, de ciência, isso é ainda mais importante. O resultado da pesquisa é relevante quando ele gera a solução e tem algum impacto para a sociedade. A representação sozinha sem o resultado da pesquisa não vale de nada.

4 – Na sua opinião, as instituições públicas de maneira geral já se atentaram para isso?

Acredito que sim. Há alguns anos, foi proposto o novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação, em um congresso da SBPC, em Belo Horizonte, onde as instituições de pesquisa sentiam falta de uma legislação que desse mais agilidade, para as práticas da pesquisa nas parcerias público-privadas, nos relacionamentos e nos investimentos privados na agenda de pesquisa pública.

Foi proposto um projeto de lei, que resultou no marco legal que a gente conhece hoje, sancionado em 2016. Para este projeto ser aprovado, as instituições começaram a se encontrar até de maneira espontânea e informal. Nós percebemos que as instituições precisavam ter pessoas que soubessem com quem falar, quando falar, quando recuar. Neste momento, elas começaram a identificar a necessidade de ter profissionais com esse perfil e então surgiu o Forum CTIE - Forum das Assessorias Parlamentares das Instituições de CT&I e Educação. Na Embrapa, por exemplo, foi reforçado o trabalho para destacar pessoas na equipe da então Assessoria Parlamentar para atuar nestes relacionamentos e articulações.

5 – Ou seja, as instituições perceberam que precisavam desse profissional para costurar essas relações?

Elas percebem isso na prática, no dia a dia. Essa percepção não antecede a necessidade. A necessidade acaba fazendo com que a instituição se prepare, se estruture com este profissional.

6 – O governo eleito anunciou uma secretaria de privatização. Em que medida isso incentiva o trabalho de RIG dentro das empresas públicas, por exemplo?

Apesar da preocupação inicial, hoje há uma percepção mais tranquila. Inclusive foi publicada uma matéria no Correio Braziliense sobre esse assunto, abordando que a Embrapa é uma das instituições que não devem ser privatizadas, pelo papel relevante e pela função social que cumpre ao País.

Essa percepção da relevância da Embrapa, do seu papel, nos dá força e ânimo diante de anúncios de privatização. A Embrapa sempre se relacionou, sempre soube apresentar o seu trabalho, sempre apresentou os seus resultados. Então, todo esse relacionamento com os stakeholders, inclusive com os de alto nível de decisão, hoje nos dá indicação de que estamos no caminho certo, porque eles percebem que a Embrapa tem um papel importante.

Às vezes, quando a gente constrói e fortalece a aproximação com as instituições, com os stakeholders, a gente não enxerga os resultados de imediato. Mas a gente vê, por exemplo, os resultados agora, quando os parceiros com quem a instituição se relaciona afirmam que a Embrapa não deve ser privatizada, porque cumpre um papel relevante.

7 – Como foi receber o prêmio Marco Maciel, promovido pela Abrig? É o reconhecimento do processo de maturidade na área de RIG da equipe da Embrapa?

A Abrig é uma associação que está fazendo um trabalho fantástico, incentivando os profissionais e ajudando a mostrar para as instituições o quanto esse trabalho é importante. Quando surgiu o edital, eu estava em Brasília, como gerente da equipe de RIG. Nós queríamos mostrar o quanto a Embrapa evoluiu neste processo. Naquele momento, estava sendo aprovado o RenovaBio, uma política pública de grande impacto, para a economia do País. A Embrapa atuou desde o nascedouro da proposta, em um grupo de trabalho no Ministério de Minas e Energia, depois em um grupo de trabalho na Casa Civil, na construção do projeto de lei, no trabalho do legislativo até a sanção.

Então, queríamos mostrar esse trabalho com o RenovaBio e a recente reestruturação da Embrapa, que havia acabado de criar uma gerência de RIG. Contamos este caso no prêmio Marco Maciel, relatamos ali a reestruturação da empresa, o quanto ela está consciente do seu papel de provedora, não só de produtos, processos e serviços, mas também provedora de informações técnicas para subsidiar políticas públicas.

8 – Para 2019, quais são as perspectivas?

Será um desafio imenso. A Embrapa vem construindo um relacionamento importante e tem nos seus stakeholders um apoio fantástico. Agora, teremos novos atores neste relacionamento, um novo governo, um novo parlamento com um alto grau de renovação. Então, é um recomeço. Vamos iniciar uma aproximação com essa nova bancada, com esses novos atores, mostrar o quanto a empresa, a pesquisa e a ciência têm relevância neste País, o quanto ela é importante para o desenvolvimento.

Eu sou muito otimista. Acredito que temos nesse desafio uma oportunidade de aumentar ainda mais as nossas cooperações, as nossas parcerias. Também há o contexto do momento difícil orçamentário, em que as restrições de recursos públicos são muito fortes. Por isso, as parcerias são ainda mais importantes, para viabilizar as agendas. Tudo isso nos desafia e nos motiva ainda mais. Temos um trabalho importantíssimo para fazer não só para a Embrapa, mas para todas as instituições, mostrando o quanto o papel do RIG é estratégico e relevante.

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