á pouco mais de 20 anos, a indústria farmacêutica passou por momento de transformação vital para sua modernização. A criação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 1999, ocorreu em um cenário de adequação da indústria farmacêutica nacional às indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), no início do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Parte de uma série de políticas de liberalização econômica aliada à expansão da rede de fiscalização produtiva nacional, a constituição de um órgão centrado na gerência sanitário do país promoveu uma dinâmica de elevação do grau de fiscalização do controle de qualidade dos medicamentos, conformando a produção doméstica aos padrões internacionais de regulamentação da cadeia farmacêutica.
Ademais, a Anvisa ficou também com a função de monitorar os preços dos produtos voltados para a saúde, intenção vista como contrapartida à elevação de preços de medicamentos que era associada à sanção da Lei de Patentes, em 1996. O órgão contribuiu significativamente para a implementação dos genéricos, após a sanção da lei que os regularizavam, em 1999, garantindo sua adequação às exigências de eficiência e eficácia.
A Lei dos Genéricos, que completou 20 anos no ano passado, surgiu, então, como uma tentativa de aumentar o acesso da população a medicamentos equivalentes aos de marca, com fármacos a preços mais acessíveis; sendo, em certo grau, uma compensação pela Lei de Patentes. Ainda que tenha impactado a lucratividade de grandes indústrias farmacêuticas no país, esse impacto foi relativamente marginal, tal que a lei viabilizou um fortalecimento das empresas de capital nacional e foi capaz de elevar o poder de atração de empresas estrangeiras ao mercado brasileiro, tornando este mais competitivo.
Meio a isso, a indústria farmacêutica consolidou-se no Brasil como um dos setores de maior potencial econômico-comercial, tendo baixa sensibilidade a crises e uma área crescente de atuação, com amplitude no alcance social (sustentada, também, pelos medicamentos genéricos) e potencial associado à dinâmica de inversão da pirâmide etária, a qual o Brasil atualmente experiência, como uma série de países ao redor do mundo. Para além disso, o segmento vem se destacando como um setor com mais altas taxas de investimento em inovações, que propulsionam tal potencial de expansão.
Focando no cenário de medicamentos genéricos, então, tem-se que, segundo estudo publicado pela PróGenéricos, a indústria de genéricos registrou crescimento de 6,43% no número de unidades vendidas em 2019, em relação a 2018, com a associação apontando que foi comercializado 1,482 bilhão de unidades de medicamentos em tal intervalo. Quanto ao correspondente monetário desse volume, tem-se que o valor das vendas de genéricos teria registrado crescimento de 14,87%, atingindo a marca de R$ 9,82 bilhões comercializados em 2019 (já considerando os descontos concedidos ao varejo). Ainda de acordo com o balanço da PróGenéricos, desde que chegaram ao mercado, em 2000, os genéricos geraram uma economia superior a R$ 150 bilhões, em gastos com medicamentos, para os consumidores brasileiros, com os dados sustentando a consolidação do benefício esperado com a sanção da lei, em termos de disponibilização de alternativas de medicamentos.
O setor, inclusive dentre empresas de genéricos, meio a esse considerável volume de capital movimentado, destaca-se também pela alocação de receita em pesquisa e inovação, tendo aportado centenas de milhões de dólares para este fim, desde 1999.
A magnitude do setor farmacêutico e sua destacável estabilidade pode ser indicada pelo simples fato de ele ter apresentado desempenho acima do PIB nos últimos anos. Ainda assim, pode-se apontar que seu potencial ainda não foi completamente explorado, com um panorama traçado pela multinacional IQVIA mostrando que a expectativa para 2020 é que o Brasil tenha, aproximadamente, 29,8 milhões de habitantes acima de 60 anos, faixa etária que tende a alocar maior percentual de sua renda em remédios e itens associado ao campo de saúde, em comparação com outros grupos etários. Para 2050, ainda, esse mesmo número deveria chegar a 60 milhões.
A perspectiva, portanto, é de grande aumento da produção no setor farmacêutico, sendo que a tendência é um desenvolvimento ainda maior nos segmentos ligados à produção de medicamentos para o tratamento de doenças crônicas, na medida em que tais tipos de enfermidades são características correntes dentre idoso, com pacientes a partir dos 65 anos já tendo manifestaram, em média, quatro doenças crônicas, sendo esse número crescente para idades ainda mais elevadas.
Dado tal poder econômico e potencial crescente, a indústria farmacêutica desenvolveu um amplo lobby dentro do Congresso Nacional e nas distintas escalas do poder legislativo nacional: a chamada Bancada da Bula.
Ações do setor farmacêutico no ambiente político voltam-se, usualmente, à busca de incentivos fiscais para o setor, ainda muito dependente da importação de insumos, tanto em termos de busca pela redução dos custos de produção, quanto para a construção de novas unidades fabris em território nacional. Ademais, a projetos de lei envolvendo a expansão da venda de remédios em espaços como supermercados tendem a ser polêmicas dentro do setor, com empresários ligados a farmácias opondo-se à tal elevação de competição, enquanto produtores de remédios tendem a ter uma visão mais favorável a tais projetos.
Com essa ampla indústria farmacêutica, o Brasil vem se colocando como um dos países com maior relevância no setor, havendo, para além disso, um considerável sistema de produção e comercialização de medicamentos genéricos. O país, assim, apresenta um mercado de saúde potencialmente marcado por mais acessibilidade a medicamentos, comparado com economias sem esse tipo de opção mais acessível. Ademais, tal recurso pode demonstrar ser de especial valor em um cenário como o de 2020, em que uma pandemia global atinge com força os principais centros urbanos do país. Isso porque o sistema de produtos genéricos viabiliza uma potencial agilização da expansão do tratamento de doenças epidêmicas, elevando a capacidade produtiva e a acessibilidade ao tratamento, evitando cenários catastróficos entre as camadas sociais menos abastadas, em termos de renda.
A crise global atual representa, sem dúvida, uma possibilidade de avanços para a indústria farmacêutica. O mundo, é claro, ainda precisa descobrir ou desenvolver fármacos referentes ao controle e ao combate ao novo coronavírus, precisando-se de tratamentos, vacinas e testes. Dezenas de empresas estão, agora, competindo por essas oportunidades, em uma corrida com alto nível de incerteza e, simultaneamente, enorme potencial de ganho; que vem movimentando a união de grandes empresas farmacêuticas.
Ainda assim, a indústria farmacêutica já vem sentindo certa reverberação positiva a partir da crise vivenciada atualmente. Empresas que produzem a hidroxicloroquina viram a demanda por fármacos com tal princípio ativo crescer exponencialmente nos últimos meses, mesmo sem a comprovação científica plena dos efeitos positivos de tal. Assim, o cenário já é positivo para algumas empresas, mesmo com as restrições de circulação social, mas a possibilidade de crescimento futuro é uma esperança de muitas firmas do setor.
Por outro lado, a crise do coronavírus impõe algumas dificuldades sobre a área farmacêutica. Entre elas, a pressão para revogar o direito de patente, realizada por membros do Parlamento Europeu e alguns grupos, como Médicos Sem Fronteiras (MSF), que compartilham do pensamento, argumentando que a aplicação de tal modelo seria um movimento antiético, no contexto catastrófico vigente. Primeiramente sugerido pelo governo costarriquenho, de que não se deve permitir monopólios na luta contra o novo coronavírus, a proposta foi ligada, no país, a uma sugestão de união entre as indústrias farmacêuticas, para compartilharem todas as informações acerca do coronavírus. Outro gargalo é a dinâmica de congelamento de preços de fármacos, já sugerida no Congresso Brasileiro, que poderia ter impacto negativo nos resultados das empresas.
Além disso, as empresas farmacêuticas também incorrem nos mesmos riscos de indústrias de outros setores, que podem ter funcionários contaminados e, consequentemente fábricas fechadas. Logo, ainda que o cenário mostre potencial muito positivo ao setor, o curto prazo é marcado por risco e incerteza.
*Bernardo Zanardo Lisboa
Aluno do 5º semestre de Economia no Insper
Diretor de Projetos do Consilium Insper
*João Vitor Melo
Aluno do 5º semestre de Economia no Insper
Vice-Presidente do Consilium Insper
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